domingo, 30 de março de 2014

Luta contra a corrupção ou demagogia? Eis a questão.

Mais um ato de hipocrisia vem circulando nas redes sociais, divulgado pelo poder judiciário. Um cartaz com advertências que, aparentemente, pretende estimular as pessoas a não fazerem pequenos atos de corrupção, mas que com uma análise mais detalhada é possível refletir sobre diversos aspectos que estão imbricados nesta publicação.

Entre as três primeiras advertências de “não a corrupção” consta atos como: não apresentar atestado médico falso; não tentar subornar guardas para evitar multas; não comprar objetos falsificados. Isso é ótimo e deveria mesmo ser incentivado! Mas considerei um ato hipócrita, pois só seria um fato digno e com o verdadeiro intuito de fomentar a “não corrupção”, se viesse com as devidas reciprocas. Em contra-partida: médicos, não vendam atestados; guardas, não negociem subornos; polícia federal, faça seu trabalho, pare de fechar os olhos ou encher os bolsos de propina, para que o país não fique entulhado de falsificados, que às vezes compramos até inocentemente.
 
Porque não despertar a atenção para os dois lados, visto que tudo isto é crime também. Claro que não existe ato de corrupção se as pessoas não se permitirem corromper por dinheiro. Esse deveria ser o primeiro item a ser colocado em um cartaz que não fosse pura demagogia. Evidente que se não se considera ato ilícito os dois lados da moeda, está havendo uma manifestação hipócrita de falsa honradez.
 
Mais dois aspectos tratados no cartaz dizem respeito a não bater cartão de ponto pelo colega de trabalho e não colar na prova. Falar em cartão de ponto é de doer! Isso seria corrupção? Bater o ponto por um amigo, provavelmente pobre, peão (porque rico e nobre não bate cartão, nem sequer respeita carga horária). E este talvez tenha se atrasado por ser vítima do péssimo sistema de transporte oferecido ao pobre. Mas com certeza as suas dificuldades e justificativas não são compreendidas pelo "senhor de engenho", vulgo patrão. Agora mangangões, políticos, chefões, a elite da corrupção e todo alto escalão, não bate ponto, não presta conta de suas ausências, nem seguem o horário rígido do peão, isso quando efetivamente trabalham. Mas são esses os que ganham muito bem, além do que, são quem mais roubam, corrompem o sistema e destroem a dignidade do brasileiro assalariado.

Questiono também: qual o problema de pescar na prova? Se nos dão um monte de conteúdo que ninguém sabe onde e como usar, para que e porquê, ou se o sistema de ensino retrógrado, que não forma para a vida e que ainda não aprendeu a dar significado ao que ensina, quer que se grave / memorize as fórmulas, que nem mesmo sabe para que serve. Para mim pouca diferença há entre pesca e memorização mecânica, em nenhum dos casos houve aprendizado! Nem mesmo sou a favor da prova (especialmente, como recurso principal de avaliação), até o nome prova é incômodo! Existem tantas outras formas de avaliar, muito mais dinâmicas e criativas, que leva o aluno a pensar, interagir, criar e participar do processo, tendo acesso ao material não como ‘pesca’, mas como fonte de pesquisa.

Enfim, quando fala em não roubar a TV a cabo e falsificar carteirinha de estudante, nisto concordo plenamente, mas, ao mesmo tempo, considero os mais desnecessários de estarem aqui presente. Sou terminantemente contra a TV a cabo, internet paga, sites proprietários, sou militante do ideal de liberdade das redes, do livre acesso a comunicação, informação e entretenimento. Por que TV a cabo paga? TV sempre foi a diversão do brasileiro, uma das poucas coisas que os pobres e menos favorecidos tinham acesso sem pagar. Agora coloca TV paga, com isso privilegia com uma rica programação, quem por natureza já é privilegiado, e para os menos favorecidos ficam os restos e a  falta de opção de um conteúdo de qualidade.

Com relação a carteirinha de estudante - em um país que tem lutado incessantemente nos últimos dois anos por um transporte gratuito e de qualidade, apresentar este item não é só demagogia, é uma verdadeira afronta as demandas das lutas sociais.

A partir da análise destes pontos é possível considerar que suscitar uma discussão com relação a estes pequenos atos de corrupção, pode ter realmente cunho político, talvez para em ano de eleição tirar o nosso foco de fatos tão mais relevantes. Sim, nesse tempo devemos nos preocupar com coisas mais importantes, como políticos só se eleger se "realmente" for ficha limpa (pois é só ir para a "justiça" e conseguir uma liminar para, com toda a “sujeira da ficha”, assumir cargo), sem contar na dedicação da justiça com os embargos precatórios, que considerou inocentes aqueles que a menos de um ano tinham sido considerados culpados. Tudo isso em público e televisionado.
 
Mediocridade querer considerar coisas pequenas (com o próprio cartaz esclarece) como corrupção, enquanto a justiça vive agindo injustamente e criando um ideário de impunidade, por crimes tão hediondos que violam os direitos, a integridade e a vida das pessoas. Vejam o caso da onda de violência contra a mulher. Por que neste cartaz não se colocou: homens não assediem ou molestem mulheres no transporte público? Talvez por ser essa uma demanda que necessitaria mais que um cartaz rico de hipocrisia, mas uma ação concreta de conscientização e punição.

Se continuar assim daqui a pouco estaremos a favor de uma justiça maldita, que condena quem rouba uma galinha por passar fome, mas deixa livre ou em prisão domiciliar (custando uma fortuna para o país e disfrutando de todas as benesses adquiridas com o dinheiro roubado), a quem rouba bilhões do INSS, participa de mensalões e tantos outros escândalos de corrupção passiva que formaria uma lista imensa.

É complicado mesmo! Merece atenção e debate. É evidente que não sou a favor de nenhum ato ilícito ou de corrupção, mas sinto que com estas prerrogativas apregoadas e disseminadas, deseja-se ocupar nossa atenção com o mínimo corriqueiro, para não darmos a devida atenção ao grande buraco de corrupção que assola o país. Isso que nem falamos da Petrobrás... Podem ser cenas para outros capítulos, por enquanto acho que basta. Com certa preocupação, Cássia.
 
 
Como sempre ocorre no Brasil é preciso reflexão
para compreender as entrelinhas até da pseuda
luta contra da corrupção,
e não advogar por coisas e causas sem sentido,
sem nexo, e que por vezes pode nos tirar do foco
das lutas que realmente fazem sentido e podem
gerar mudanças concretas na sociedade. Cássia.
 
 
 

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