domingo, 29 de junho de 2014

Modernidade: A fluidez na relação tempo-espaço

Ao assistir a entrevista de Bauman no programa “Fronteiras do Pensamento” chego à conclusão que a discussão proposta por ele é inquietante. Como nos relacionar com os outros em uma sociedade individualizada, tão fluida, tão marcada pelo frágil, pelo rápido, delivery, etc. Tratar de fluidez na modernidade é algo que parece simples, mas pode ser também bastante complexo. Falar simplesmente que tudo está fluido, até as relações, seria algo repetitivo e devolver um texto clichê, praticamente parafraseando o autor.
 
Entendo que para aprofundar uma discussão destas, nada melhor que ir um pouco mais ao âmago da questão das relações, do tempo-espaço, da instantaneidade da vida, da sedução do efêmero, nos reportando a historicidade que culminou neste período denominado de modernidade.
 
Historicamente, a relação de espaço-tempo foi uma das que mais se transformou no decorrer dos milênios. Primeiramente, a própria contagem do tempo era mais absoluta e nada fragmenta. Dia e noite - era como se estruturava o tempo, e o sol e a lua eram os seus marcadores. O dia para a atividade de subsistência, a noite para o repouso, em meio a isso uma vida de relações sócio-afetivas imbricadas, pois a sociedade se constituía comunitariamente, até para poder sobreviver. 
 
Contudo, o homem tinha o desejo de dominar o tempo, tanto que o relógio é uma das mais antigas invenções humanas. O primeiro que se tem notícia foi o relógio de sol (media o tempo através da sombra projetada pelo sol em um pedaço de madeira), em geral dividia o dia em partes, de acordo com a estação do ano que modifica a incidência do sol sobre a terra e, assim, o posicionamento da sombra.
 
Depois aparecem os relógios mais precisos de água e de areia (denominados ampulhetas), que conseguiu finalmente dividir o tempo em horas e fração de horas. Até chegar ao relógio de pulso (inventado, por sinal, por Santos Dummont), que passou a acompanhar o homem, aprisionando-o na frenética frequência do seu implacável tic-tac (no caso analógico), que precisa correr contra o tempo para conseguir um pouco deste mesmo tempo.
 
O espaço era outra realidade livre, não referenciado em delimitações. Este não era delimitado, porque a ideia de limite não era configurada. Realmente, a visão que se tinha de espaço era de imensidão, amplitude, desconhecido. A vida mais primitiva se constituía em uma liberdade de tempo e espaço. Com o passar dos milênios, foi se desenvolvendo o sentido de posse e as divisões dos espaços inclusive em propriedades privadas. Agora, até os espaços mais longínquos das galáxias são “invadidos”, mesmo que a distância, pela presença de satélites ou observação através de gigantescos telescópios, que ao perscrutar estes espaços livres já procurar de alguma forma delimitá-los.
 
Enfim, o homem que queria dominar o tempo, em verdade acabou sendo dominado por este. O homem que queria delimitar o espaço tornou-se preso às delimitações que ele mesmo criou.
 
E é neste frenesi de tempo e limitação de espaço que chega a modernidade. Nesta tudo realmente se tornou fluido, porque não há mais tempo para compreender e se relacionar com o outro. Nela também não há mais a liberdade do espaço, tudo está de alguma forma demarcado, nos limitamos ao nosso pequeno mundo.
 
Somos seduzidos pelo efêmero, pelo volátil, porque não há tempo a perder para conseguir degustar aquilo que, a custa do nosso precioso tempo, se conseguiu ter. É um verdadeiro contrassenso. Esse dissabor com relação ao que temos e o que somos se tornou tão marcante, que mesmo que a expectativa de vida tenha aumentado tanto nos últimos anos, sentimos a vida passar em uma velocidade incomensurável.
 
Se delimitamos de tal forma nosso espaço, se controlamos ao extremo o nosso tempo, como conseguir constituir relações sociais duradouras? A fluidez realmente é a resposta. Não há mais tempo de prosear na varanda, não há mesmo espaço para varandas nos nossos 'apertamentos'. A modernidade se constitui a partir da fluidez, do inconstante, do efêmero. Mas, até quando conseguiremos viver assim? Ontologicamente temos os resquícios dos nossos antepassados, que viveram em uma familiar relação social, e estas marcas de relações com certeza gritam na nossa constituição. Será que em meio a está vida instantânea conseguiremos ouvir este clamor, e reconfigurar a nossa relação com o tempo e o espaço e a forma de interação com os outros? Uma questão para nos inquietar. Cássia.




 
Na busca pela liberdade na sua
relação com o têmporo-espacial,
o homem foi aprisionado pelo
tempo e delimitado pelo espaço.
Cássia.



domingo, 15 de junho de 2014

As marcas do “Marco Civil” para a internet

Há tempos que os militantes por uma internet livre, que não seja aprisionada pelos lobbies das operadoras, que sempre querem dar o seu toque de Midas, transformando em fonte de lucro tudo o que toca, passando a manipular de acordo com o seus desejos capitalistas aquilo que, por suas características atuais, é de utilização de todos. Para isso é que iniciou-se e vem desenvolvendo-se a discussão sobre o Marco Civil da internet, agora já aprovado em todas as instâncias, mas que nem por isso é possível deixar de refletir sobre como e porque haveria essa necessidade de um código direcionando ao uso e acessibilidade da internet. Vamos então fazer uma viagem, procurando compreender como o nosso cotidiano mesmo histórico necessita de legislações para se fundamentar como espaço social.

Viver em sociedade é, sem dúvida, um prazer. Somos seres sociais, necessitamos estar e conviver com o outro. Contudo, esta convivência nunca foi algo fácil, muito pelo contrário, somos mais propensos a disseminar a guerra que fomentar a paz.

Neste sentido, para o que homem pudesse ter a possibilidade de conviver em sociedade sempre foi necessário a presença de leis, marcos, códigos, que pudessem dar direções mínimas de direitos e deveres, para ajudar a manter a convivência social de certa forma harmonizada.

Historicamente, isso remonta ao código de Hamurabi (1700 a.C.), que trazia princípios para que, entre outros aspectos, "o forte não prejudique o mais fraco” (Epílogo do código), e houvesse condições de convivência pacífica entre as classes sociais de homens nobres, livres e escravos. A lei mais conhecida deste código é a do Talião “olho por olho, dente por dente”.

O código Manu (1500 a.C.) é outro exemplo milenar, escrito brâmani em língua sânscrito, com caráter político e religioso, que era um dos códigos de leis que direcionavam as relações sociais entre as castas do povo indiano.

Para os cristãos as leis estão na Bíblia, e os Dez Mandamentos – ou Decálogo (por volta do ano 1250 a.C.), é um conjunto de leis dado ao povo Hebreu,  bem como um dos principais fundamentos para a forma de convivência religiosa e social do povo Hebraico. Atualmente, tanto Judeus como os Cristãos tem estas leis como básica e canônica para as duas vidas de fé.

Muitos outros exemplos de conjunto de normas estiveram presente na história da humanidade, seja com cunho político, sancionado por reis ou chefes de tribos ou estados, seja de cunho religioso, de acordo com as crenças dos povos, ou de suas regiões e culturas. Atualmente, para conseguir manter esta relação social civilizadamente pacificada, há uma série destes códigos ou leis – código penal, código civil, código de defesa do consumidor etc.

Porém, as relações hoje tomaram outra configuração, havendo uma nova dimensão de interação e sociabilidade entre os sujeitos, caracterizada pela virtualidade, por um espaço próprio – o ciberespaço, uma cultura singular - a cibercultura, e que tem como a sua representação primordial a internet.

Claro que se este é um espaço-tempo de trocas e relações entre os sujeitos, há necessidade de ter princípios próprios, para que estas relações se estabeleçam da melhor maneira possível, mais uma vez tentando preservar esta articulação entre direitos e deveres. Com este intuito é que foi organizado o Marco Civil da Internet no Brasil. Este traz diretrizes para o uso da rede, com princípios relacionados a privacidade, neutralidade e inimputabilidade da rede, dentre outros, que esclarecem os deveres e reponsabilidades dos usuários, organismos e empresas que utilizam ou atuam na rede.

A principal marca deste documento é a possibilidade de refletir sobre uma legislação, que se propõe a dar critérios jurídicos para o uso de algo que:
1. Está para além do material, compõe o campo da virtualidade;
2. Integra uma imensidão de pessoas (milhares delas) que acessam, interagem, compram e vendem produtos, trabalham, se divertem. Isso em tempo integral (a rede não para dia e noite) trazendo uma nova configuração da realidade de espaço e tempo;
3. O fato da rede, mesmo que tendo um marco civil no Brasil, ser interplanetária. Então, as relações de trocas que se estabelecem nela estarão para além de um determinado território;
4. Saber que no Brasil existem milhares de códigos, leis, decretos, que não são cumpridos, e que a lentidão da justiça é um verdadeiro marco nesta sociedade, e ainda assim há mais uma legislação a ser concretizada.

Neste sentido, conclui-se que existem realmente muitos pontos para uma reflexão filosófica, campo do saber que busca compreender mais: o sentido, que a praticidade; a aplicabilidade, que a conveniência; a essência, que a aparência.

Agora em 2014, o marco civil foi aprovado no legislativo, transformando-se oficialmente em uma lei geral, faltam agora as devidas configurações para que sejam organizadas leis específicas. Bem como, e muito mais importante, deverá ser observar cuidadosamente brechas jurídicas, aspectos inauditos, mas já descobertos pelas operadoras, que permitiriam às mesmas tornar a rede um espaço privado, manipulando o seu uso de acordo com os interesses mercantilistas, ainda que haja um código tentando manter esse um espaço de livre acesso para todos. Cássia.

Abaixo o link do projeto de lei que os princípios para o uso da internet.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=912989&filename=PL@126/201.



O ser humano sempre viveu o antagonismo entre a liberdade e a lei, ou mesmo se viu necessitado de
criar leis para garantir essa liberdade. Mas liberdade não se pode comprar ou legislar, é algo que se constrói, quando os interesses coletivos - especialmente financeiros,
não procuram sobrepujar os individuais,
ou vice-versa. Cássia.

domingo, 1 de junho de 2014

Tratamento de transtornos psicossomáticos: Novo paradigma da multireferencialidade

          As doenças psicossomáticas, por terem um caráter multifatorial nas suas manifestações, necessitam de uma abordagem terapêutica também muito ampla – multireferencial e interdisciplinar, pois o paciente apresenta várias facetas articuladas de adoecimento, que precisa de diversas óticas para serem compreendidas. Ainda que a medicina tradicional tenha uma visão fragmentada, na qual a relação médico-paciente é empobrecida, na perspectiva psicossomática a terapêutica deve dar atenção à relação, aos aspectos emocionais, sociais e compreender toda a história do sujeito, ou seja, perceber que tudo está envolvido na gênese e evolução da sintomatologia, algo fundamental para o sucesso terapêutico. A psicossomática, então, soma conhecimentos que ampliam as possibilidades de investigação e de resposta positiva na intervenção.
A postura clínica dos profissionais de saúde para atendimento em psicossomática, deve ter o diferencial de buscar formar um vínculo, diminuir a tensão emocional, exercitar a escuta – que já apresenta um efeito terapêutico, ter percepção simultânea em dois sentidos – para os dados objetivos e subjetivos e como estes se articulam, demonstrar aceitação – ouvindo as queixas sem julgar, e ter adequação da linguagem, para facilitar o entendimento pelo paciente. Além de uma auto-percepção do profissional, observando os seus limites. Em todo esse processo um bom rapport é indispensável, para que estes pacientes possam tentar se comprometer com o seu tratamento.
Mas, além do atendimento clínico e medicamentoso, no processo de reabilitação é importante um atendimento integrado e dinâmico, abarcando diversas especialidades que permitam uma visão mais abrangente do processo saúde/doença. Já que o organismo possui diversas respostas para descarga das excitações, mas elas estão imbricadas e as reações reverberam umas nas outras concomitantemente, sendo de alguma forma uma reação biopsicossocial, devendo o tratamento ser também em conjunto. O objetivo da abordagem combinada é uma melhora do paciente nos aspectos físico e psíquico, favorecendo uma adaptação, diminuição dos ganhos secundários e aumento da capacidade de ajuste a realidade, buscando a reversão da patologia.
Assim, a proposta de trabalho terapêutico dos profissionais dever ser de maneira integrada. Neste sentido, a psicossomática é um resgate de uma visão holística em saúde. Freud é um dos teóricos que colaboraram nesta mudança de paradigma, pela importância dada à fala do sujeito e seus conteúdos inconscientes, conflitos psíquicos e realidade subjetiva, para compreender de maneira mais ampla o sujeito, o seu estado de saúde e a sua relação com o sintoma que manifesta. Nesta perspectiva, entra em cena a pessoa no lugar do corpo, trazendo consigo seus referenciais, sua história de vida, a partir da sua interação com o seu meio.
O importante na atuação é que haja um caráter multireferencial, que favoreça a dialética de diversas possibilidades teóricas, que permitam abordar o corpo, a mente e o grupo no processo de tratamento. Vale ressaltar que na psicossomática a técnica é imbuída de um novo olhar sobre o paciente, alargando as possibilidades de investigação, favorecendo maior “eficácia no diagnóstico e um alívio mais consistente, revertendo as somatizações” (1, p. 195).
Um ponto destacado é a importância fundamental da psicoterapia para pacientes com manifestações psicossomáticas. Mas é algo delicado já que raramente estes pacientes procuram este atendimento espontaneamente, normalmente vão a partir de indicação do médico clínico, assistente sociais etc., ou pelas co-morbidades que se manifestam como angústia, ansiedade, depressão ou isolamento social, fatores que reverberam na família, aparecendo a demanda de atendimento psicológico.
Pacientes psicossomáticos se colocam como não necessitados de psicoterapia. Estes expõem seus sintomas manifestos como algo concreto e objetivo, que justifique o seu comportamento, e não deixam aflorar a sua subjetivação, permitindo que os conflitos psíquicos, que favoreceram o processo somático, possam manifestar-se. É necessário arte no manejo clínico, para reconstituir a história deste sujeito. São psicoterapias que exigem tempo e uma ação ativa do psicólogo, já que a atitude do paciente é passiva. O psicólogo necessita perceber os limites e conflitos do sujeito, identificar os desencadeadores de tensão emocional e os sentimentos em relação à doença.
O enfoque teórico/psicológico para atuar com pacientes psicossomáticos pode ser o mais variado possível, como psicanalítico, comportamental ou grupal. Especificamente em psicanálise, deve-se ter todo um cuidado na postura clínica, conduzindo face-a-face a análise, permitindo a relação inter-pessoal, para que a pessoa possa realmente se constituir como sujeito. É importante também a verbalização do terapeuta, abrindo caminho para as possíveis associações do paciente, não deixando que o silêncio possa levar a decepção com o tratamento e a quebra do vínculo terapêutico. Pois, na psicanálise é fundamental a formação e manutenção deste vínculo no manejo clínico, sendo bem vindas as manifestações de transferência.
No processo deve-se buscar a re-significação dos sintomas através de uma ratificação subjetiva, pois “o adoecer pode ser considerado uma tentativa de estabelecimento de um equilíbrio para o corpo” (2, p. 12). Mas, é um exercício de paciência, já o paciente psicossomático no seu discurso faz mais analogia, de acordo com a sua necessidade e estado, do que associações livres (1).
Outro enfoque que pode ser usado é o grupal, que favorece o contato interpessoal, trabalhando o isolamento social. Estes grupos devem ser homogêneos e buscar fazer o paciente reconhecer o nexo entre seus sintomas e seu estado emocional, para que possam se comprometer, percebendo o sintoma físico como recurso defensivo. Mas é preciso ser condescendente com estes pacientes e o trabalho é prolongado. Nesta terapia pode ser usada a técnica de livre conversação.
No geral, a atuação do psicólogo deve levar o paciente psicossomático a restabelecer a auto-estima e uma imagem corporal saudável, mobilizando o sujeito para mudanças comportamentais, que possam otimizar o seu processo de tratamento e cura.
Enfim, este foi um apanhado geral, pois as possibilidades de psicoterapias são muitas, não havendo condição de abarcá-las todas neste blog. Mas, ficou evidente a importância do psicólogo neste processo, sendo um fomentador de discussão, que na nossa formação acadêmica pode ser aprofundado. Além do que, percebe-se um vasto campo de atuação, já que atualmente há um reconhecimento do aspecto psicólogo na manifestação de qualquer patologia e em especial nas psicossomáticas, favorecendo a inserção de futuros psicólogos. Chegamos assim, a conclusão desse conteúdo e ao invés de sensação de alívio, o que se sente é uma falta, mas como essa não pode ser preenchida, o que se pode fazer é deixar o espaço aberto para novas experiências, que sejam tão enriquecedoras como esta. Um abraço! Cássia.

Obs.: Referências em anexo no comentários 1
 
 
 
 
Descobrir o caminho
da cura para os problemas psíquicos,
é permitir que a cada dia,
a cada nascer do sol,
a vida possa ser plenamente vivida.
Cássia.