domingo, 23 de fevereiro de 2014

As manifestações psicossomáticas e seu caráter multifacetado

Atualmente há uma relevância significativa em perceber que os fatores psicológicos são preponderantes no desenvolvimento de diversas patologias. Estes fatores podem afetar determinadas condições clínicas do sujeito – ligadas ao físico, fisiológico ou comportamental. O caráter psicológico pode estar ligado a transtornos de somatização, neste caso os sintomas físicos apresentados não tem relação com fatores orgânicos, que possam justificar a queixa, tendo origem psíquica. Mas, há também patologias organicamente diagnosticadas, mas para as quais os fatores psicológicos interferem na sua gênese, desenvolvimento, tratamento ou prognóstico1.

É interessante que a abordagem psicossomática é uma visão de mente e corpo em interação com o contexto e, desta forma, permite compreender, de maneira mais ampla, o caráter multifacetado destas manifestações. Favorece, também, uma intervenção terapêutica que seja mais abrangente, eficaz e significativa. Há vários transtornos específicos, caracterizados como psicossomático, mas os estudos científicos vêm demonstrando forte associação em três áreas de manifestação patológica – dermatológica, cardíaca e gástrica1/2.

Distúrbios psicossomáticos de pele:
A pele é um órgão de contato, relação e comunicação, que faz fronteira entre o mundo interno e externo, sendo canal de transmissão de sensações e emoções. A pele tem a capacidade de mostrar o estado interno dos órgãos, como também de comunicar processos e reações psíquicas, podendo refletir problemas emocionais.

Os problemas de pele têm um caráter diferenciado na sua manifestação, especialmente na cultura atual, que tem uma visão de alto padrão estético, fazendo com que os pacientes com sintomas dermatológicos se sintam socialmente inadequados, provocando insatisfação, dificuldade inter-relacional e isolamento social. Desta forma, as doenças dermatológicas, como ocorre com outras patologias, tanto podem ser consequência de fatores psíquicos/emocionais, quanto sua manifestação desencadeia ou agrava problemas emocionais, como condição de co-morbidade.

Atualmente, diversas doenças de pele são caracterizadas como psicodermatoses, como a psoríase, escoriação psicogênica, hiperidrose, dermatite atópica, dermatite seborreíca, entre outras. A psoríase é a psicodermatose mais estudada no campo cientifico. É uma doença crônica e intermitente, com etiologia multifatorial e de interação entre genética, fatores psíquicos e ambientais. É uma doença estigmatizante e de difícil tratamento, com impacto negativo para a qualidade de vida do sujeito. Esta patologia causa diversas restrições, com prejuízos, físicos, sociais e psíquicos de igual relevância, contribuindo para aumento dos níveis de frustração, favorecendo a baixa auto-estima, sintomas depressivos e dificuldade de manter a atividade laboral. A própria condição da doença eleva o nível de estresse, que favorece a exacerbação da sintomatologia manifesta, ao mesmo tempo em que, o estresse, a ansiedade e a depressão, são os principais fatores desencadeantes deste problema.

A condição de escoriação psicogênica é uma psicodermatose em que são desenvolvidas lesões de pele, provocadas pelo comportamento de coçar, lembrando o TOC por suas características - ritualística, repetitiva e redutora de tensão. Os pacientes tentam resistir ao desejo de coçar, mas sem sucesso, tornando o sujeito disfuncional.

Distúrbios psicossomáticos cardíacos:
É na Cardiologia que o estudo da psicologia acentua a sua importância. Ao interpretar um sintoma cardiológico é preciso não esquecer que muitos deles podem ser apenas demonstrações somáticas de conflitos emotivos. Inúmeros dos distúrbios apresentados como do coração, serão exacerbados ou aliviados, dependendo do estado e fatores que comprometem o psíquico.
 
Atualmente as doenças cardiovasculares são a principal causa de morte. O desenvolvimento destas patologias pode estar associado a vários fatores de risco: comportamentais, como sedentarismo, tabagismo; clínicos, como hipertensão e diabetes; ou transtornos psíquicos, como ansiedade, estresse e depressão. O sistema cardíaco pode ser afetado por fatores psíquicos e sociais, já que seu funcionamento é sensível aos abalos no estado emocional do sujeito, ocasionando infartos ou podendo mesmo levar a morte súbita cardíaca, relacionada ao alto nível de sofrimento emocional.

Pesquisas sobre cardiologia psicossomática demonstram um padrão de comportamento específico, caracterizado como tipo A, que apresenta hostilidade como fator preponderante, urgência temporal e impaciência, tendo relação direta com o desenvolvimento de doenças coronarianas. É interessante que em mulheres uma postura submissa é fator de proteção contra o risco destas doenças. Isso lembra Chico Buarque, quando fala “naquelas mulheres de Atenas, submissas e dóceis, serenas...”. Será???!!!

Distúrbios psicossomáticos gástricos:
Todo sistema gastrointestinal é bem sensível às alterações do estado emocional, havendo forte ligação entre estresse, ansiedade e respostas fisiológicas gástricas. O nível de estresse elevado pode provocar várias reações, como aumentar o tônus do esôfago, levando a síndrome de espasmos esofágico, pode diminuir a atividade motora do estômago, provocando náuseas e vômito, também reduz a função motora do intestino delgado, aumentando a do intestino grosso, o que leva a apresentação de sintoma de cólon irritável. Grande parte dos pacientes que apresentam transtornos de ansiedade, alto nível de estresse, excitação excessiva ou depressão, também apresentam como co-morbidade alterações fisiológicas gástricas como gastrite, esofagite, úlcera péptica e colite ulcerativa.

Atualmente, no processo diagnóstico das doenças psicossomáticas, atenta-se para a avaliação tanto física quanto psicológica, para elucidar os fatores explícitos e implícitos implicados nestas manifestações, elucida-se também o contexto social/interacional do sujeito. A partir disso trabalha-se de forma mais integracional, não só prescrevendo medicamentos, mas indicando psicoterapias e conscientizando o sujeito para os padrões de comportamento prejudiciais, tanto em nível físico quanto psicológico/emocional, que podem levar a uma deterioração da qualidade de vida. 

Enfim, nesta edição procuramos elucidar algumas possibilidades de manifestações clínicas psicossomáticas, de forma reduzida é claro, já que todas as patologias têm um fator psíquico/social imbricado no seu processo. Falta agora trazer a evidência as possibilidades de tratamento, destacando as psicoterapias. Este será o próximo capítulo da nossa trajetória. Continue acompanhando e até a próxima! Com carinho, Cássia.

 

O vazio existencial, eis o grande fator de causa de distúrbios psicossomáticos. É preciso descobrir razão da própria existência, para reencontrar o prazer pela vida, e assim quebrar as amarras que impedem de vive-la plenamente. Cássia.
 


 
Referências no comentário 1.

Um comentário:

  1. 1. SADOCK, Benjamim J. SADOCK, Vírginia A. Compêndio de psiquiatria: Ciência do comportamento e psiquiatria clínica. Porto Alegre: Artmed, 2007.

    2. SILVA, Juliana D. T. da; MÜLLER, Marisa C. Uma integração teórica entre psicossomática, stress e doenças crônicas de pele. Estudos de Psicologia, v. 24, n.1. Campinas, abr-jun/ 2007. Disponível em: http://www.scielo.br, acessado em: 05.03.08. [Link: scielo.br/pdf/estpsi/ v24n2/v24n2a11.pdf].

    Música:
    CHICO BUARQUE - Mulheres de Atenas

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