Voltei a
minha prática semanal, postar. Mas agora eu posso escolher sobre o que
escrever, então nada melhor que, com "educação", "psicologizar" um pouco este blog, afinal esta também
é minha área. Assim, vou fazer uma trilogia (três semanas de post) sobre o tema
psicossomática, que por ser muito abrangente e instigante tem muito para
refletir. Este é o primeiro...
Psicossomática designa duas
possibilidades em saúde: a medicina psicossomática como uma forma
de atuação que busca ter uma visão integrada do sujeito, visando a interação
mente e corpo; e os transtornos de caráter psicossomático, como
uma condição patológica, que tem os fatores psicológicos como importantes na
sua manifestação, afetando as condições físicas, fisiológicas ou
comportamentais. Mas, o desenvolvimento deste conceito teve todo um percurso
histórico, cujo conhecimento é importante para a sua melhor compreensão.
Conceitualmente,
a expressão psicossomática remonta o séc. XIX, cunhada pelo
psiquiatra Heinroth em 1818, designando a unidade funcional soma-psique, mas
apresentando um caráter dualista, próprio da tradição cartesiana.
Entretanto, historicamente a medicina nasce com uma visão unificadora. Desde
Hipócrates já havia a consideração de três aspectos - relação entre a lesão corporal,
estados psíquicos (ou da alma) e os fatores ambientais,
tendo assim, um caráter psicossomático na sua origem. Esta corrente
monista percebia o sujeito na sua totalidade, a doença como reação global e a
terapêutica como forma de reestabelecer a harmonia do sujeito consigo e seu
ambiente. Mas, com o tempo isso se modifica, a partir de Galeno e a corrente
dualista, na qual o foco passa a ser a doença, e a terapêutica consistia em
localizar o mal e extirpá-lo. Isso quando possível!
Era uma medicina
reducionista, direcionada a doença, base da medicina convencional na atualidade,
que percebe o sujeito em partes. A medicina psicossomática (termo
apresentado por Felix Deutsch em 1922), surge no séc.
XX, como uma nova proposta integradora e uma reação a esta perspectiva
fragmentada. O que nos remete a fala do poeta, quando dizia que sempre
vemos “o futuro repetir o passado,...
um museu de grandes novidades...”, mas o importante é que “...o tempo
não pára!”3.
O conceito de
psicossomática teve o seu desenvolvimento influenciado pelo advento e
expansão da Psicanálise (mais uma vez, reforçando a máxima popular - Freud é
que explica!!!), resgatando o termo e estruturando a sua funcionalidade, a
partir de uma nova ótica dos fenômenos relacionados: as somatizações –
componente manifesto, e os conteúdos psíquicos – componente latente, que é fator
para a sua expressão, remetendo a origem inconsciente das doenças. Neste
sentido, Freud traz uma nova perspectiva, mas, posteriormente, a ênfase dada
pelos seguidores da psicanálise ao aspecto psicológico, acabou levando a um
novo reducionismo, apresentando explicação psicológica para tudo em saúde.
Hoje, contudo, o
sujeito é visto como uma unidade mais dinâmica, enfatizando a possibilidade de
inter-relação entre três fatores – o biológico, o psicológico e também o
social, para a gênese e manifestação de um quadro patológico, a
inter-relação biopsicossocial é a visão psicossomática.
O que está em consonância com a visão de saúde, segundo a
OMS, de “um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas
a ausência de doença”1.
A medicina psicossomática é apontada, então, como precedência
do pensar e do fazer em saúde, tendo um caráter multidisciplinar e visando uma
assistência integrada do sujeito. Entretanto, a supremacia da ordem biológica,
ainda é evidente, especialmente pela dificuldade em considerar as dimensões
psíquicas, implicadas numa manifestação patológica. Infere-se que
isso ocorre, pelo fato de que, apesar de todo o processo de mudança de
paradigma científico, nós talvez “...ainda sejamos os mesmos e vivamos
(pensamos) como os nossos pais”2.
Entretanto, é preciso perceber que a prática clínica
(médica/psicológica), não coloca o profissional de saúde em contato apenas com
partes ou patologias, mas com um sujeito na sua integralidade - subjetividade,
emoções e singularidade. Isso implica uma nova postura profissional, de atuar
com fatos e dimensões objetivas e subjetivas de forma concomitante, em um
encontro que possibilite, além da intervenção, a integração
profissional/sujeito, para uma melhor compreensão clínica.
Infere-se, então, que para trabalhar com psicossomática
é preciso ampliar o campo de visão, permitindo a integração de técnicas e
saberes científicos, somando conhecimentos e ampliando os horizontes. Para
tanto, deve-se implicar os profissionais que atuam na saúde, deixando de lado
os resquícios que os separam, possibilitando uma hermenêutica no diálogo
cientifico, que favoreça atuar de maneira mais holística.
Por fim,
percebe-se que foi percorrido todo um caminho histórico, para o conceito de
psicossomática adentrar o campo da saúde. Contudo, a psicossomática também,
como já foi referido, diz respeito a transtornos específicos de cunho
psíquico/emocional, que tem acometido uma série de pessoas no contexto
atual. Há uma variedade de formas de doenças psicossomática (dermatológicos,
gástricos, cardíacos, entre outros), além de várias possibilidades de
tratamento, destacando as psicoterapias (e assim a importância e atuação do
psicólogo neste contexto). Mas estas serão cenas para os próximos
capítulos.... Aguardem!
Graça e paz! Cássia.
Se vivemos em uma realidade que nos atormenta, por suas pressões e exigências sociais, é preciso harmonizar a mente para não prejudicar o corpo, com tantas possibilidades de adoecimento que a contemporaneidade, no seu frenesi patologizante, infelizmente conseguiu nos "presentear". Cássia.
As referências
estão no comentário 1.
Referências:
ResponderExcluir1. OMS [Link: pt.wikipedia.org/wiki/Organiza]
Músicas:
2. BELCHIOR. Como os nossos pais (Cantora: Elis Regina).
3. CAZUZA. O tempo não pára (Cantor: Cazuza).