domingo, 16 de fevereiro de 2014

Psicossomática: Histórico de um conceito atual

Voltei a minha prática semanal, postar. Mas agora eu posso escolher sobre o que escrever, então nada melhor que, com "educação", "psicologizar" um pouco este blog, afinal esta também é minha área. Assim, vou fazer uma trilogia (três semanas de post) sobre o tema psicossomática, que por ser muito abrangente e instigante tem muito para refletir. Este é o primeiro...
 
Psicossomática designa duas possibilidades em saúde: a medicina psicossomática como uma forma de atuação que busca ter uma visão integrada do sujeito, visando a interação mente e corpo; e os transtornos de caráter psicossomático, como uma condição patológica, que tem os fatores psicológicos como importantes na sua manifestação, afetando as condições físicas, fisiológicas ou comportamentais. Mas, o desenvolvimento deste conceito teve todo um percurso histórico, cujo conhecimento é importante para a sua melhor compreensão.

Conceitualmente, a expressão psicossomática remonta o séc. XIX, cunhada pelo psiquiatra Heinroth em 1818, designando a unidade funcional soma-psique, mas apresentando um caráter dualista, próprio da tradição cartesiana. Entretanto, historicamente a medicina nasce com uma visão unificadora. Desde Hipócrates já havia a consideração de três aspectos - relação entre a lesão corporal, estados psíquicos (ou da alma) e os fatores ambientais, tendo assim, um caráter psicossomático na sua origem. Esta corrente monista percebia o sujeito na sua totalidade, a doença como reação global e a terapêutica como forma de reestabelecer a harmonia do sujeito consigo e seu ambiente. Mas, com o tempo isso se modifica, a partir de Galeno e a corrente dualista, na qual o foco passa a ser a doença, e a terapêutica consistia em localizar o mal e extirpá-lo. Isso quando possível!
 
Era uma medicina reducionista, direcionada a doença, base da medicina convencional na atualidade, que percebe o sujeito em partes. A medicina psicossomática (termo apresentado por Felix Deutsch em 1922), surge no séc. XX, como uma nova proposta integradora e uma reação a esta perspectiva fragmentada. O que nos remete a fala do poeta, quando dizia que sempre vemos  o futuro repetir o passado,... um museu de grandes novidades...”, mas o importante é que “...o tempo não pára!”3.

O conceito de psicossomática teve o seu desenvolvimento influenciado pelo advento e expansão da Psicanálise (mais uma vez, reforçando a máxima popular - Freud é que explica!!!), resgatando o termo e estruturando a sua funcionalidade, a partir de uma nova ótica dos fenômenos relacionados: as somatizações – componente manifesto, e os conteúdos psíquicos – componente latente, que é fator para a sua expressão, remetendo a origem inconsciente das doenças. Neste sentido, Freud traz uma nova perspectiva, mas, posteriormente, a ênfase dada pelos seguidores da psicanálise ao aspecto psicológico, acabou levando a um novo reducionismo, apresentando explicação psicológica para tudo em saúde.
 
Hoje, contudo, o sujeito é visto como uma unidade mais dinâmica, enfatizando a possibilidade de inter-relação entre três fatores – o biológico, o psicológico e também o social, para a gênese e manifestação de um quadro patológico, a inter-relação biopsicossocial é a visão psicossomática. O que está em consonância com a visão de saúde, segundo a OMS, de “um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas a ausência de doença”1.
 
A medicina psicossomática é apontada, então, como precedência do pensar e do fazer em saúde, tendo um caráter multidisciplinar e visando uma assistência integrada do sujeito. Entretanto, a supremacia da ordem biológica, ainda é evidente, especialmente pela dificuldade em considerar as dimensões psíquicas, implicadas numa manifestação patológica. Infere-se que isso ocorre, pelo fato de que, apesar de todo o processo de mudança de paradigma científico, nós talvez “...ainda sejamos os mesmos e vivamos (pensamos) como os nossos pais”2.
 
Entretanto, é preciso perceber que a prática clínica (médica/psicológica), não coloca o profissional de saúde em contato apenas com partes ou patologias, mas com um sujeito na sua integralidade - subjetividade, emoções e singularidade. Isso implica uma nova postura profissional, de atuar com fatos e dimensões objetivas e subjetivas de forma concomitante, em um encontro que possibilite, além da intervenção, a integração profissional/sujeito, para uma melhor compreensão clínica.
 
Infere-se, então, que para trabalhar com psicossomática é preciso ampliar o campo de visão, permitindo a integração de técnicas e saberes científicos, somando conhecimentos e ampliando os horizontes. Para tanto, deve-se implicar os profissionais que atuam na saúde, deixando de lado os resquícios que os separam, possibilitando uma hermenêutica no diálogo cientifico, que favoreça atuar de maneira mais holística.
 
Por fim, percebe-se que foi percorrido todo um caminho histórico, para o conceito de psicossomática adentrar o campo da saúde. Contudo, a psicossomática também, como já foi referido, diz respeito a transtornos específicos de cunho psíquico/emocional, que tem acometido uma série de pessoas no contexto atual. Há uma variedade de formas de doenças psicossomática (dermatológicos, gástricos, cardíacos, entre outros), além de várias possibilidades de tratamento, destacando as psicoterapias (e assim a importância e atuação do psicólogo neste contexto). Mas estas serão cenas para os próximos capítulos.... Aguardem!
 
Graça e paz!  Cássia.
 
 
Se vivemos em uma realidade que nos  atormenta, por suas pressões e exigências sociais, é preciso harmonizar a mente para não prejudicar o corpo, com tantas possibilidades de adoecimento que a contemporaneidade, no seu frenesi patologizante, infelizmente conseguiu nos "presentear". Cássia.

As referências estão no comentário 1.
 
 

Um comentário:

  1. Referências:
    1. OMS [Link: pt.wikipedia.org/wiki/Organiza]
    Músicas:
    2. BELCHIOR. Como os nossos pais (Cantora: Elis Regina).
    3. CAZUZA. O tempo não pára (Cantor: Cazuza).

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